Sortido



1. "E como eu palmilhasse vagamente,/uma estrada de Minas, pedregosa(...)" C.D


pode declamar o resto. A máquina do mundo, todavia, permaneceu indiferente a esta "mente exausta de mentar". Mas Ouro Preto é agradável assim mesmo, sem transcender as ladeiras de pedregulho, a coleção de igrejas, tudo encharcado de História. E não pense que usamos "encharcado" aleatoriamente, um poeta raramente escolhe palavras ao léu, a brincadeira é séria, e devemos dourar a pílula. E pensando em "correntes" também lembramos do charco: o passado. Nem sempre há do que se orgulhar. Mas o processo histórico é o que consta.


(...) Além disso, modificando a cadeia de experiências atrelada a qualquer circunstância, alteramos todos os produtos dessa cadeia. Por exemplo, A Certeza de Fazer o Mal poderia simplesmente não existir, e Maiara Gouveia poderia escrever outros tipos de texto, com outras questões estéticas e temáticas. Enfim, as hipóteses são praticamente ilimitadas. Mas o processo histórico é irrevogável (...)



Não penso apenas na antiga senzala transformada em um aconchegante restaurante para turistas, também não penso apenas nas belíssimas igrejas, nas suntuosas igrejas (em uma delas, inclusive, há uma imagem de Cristo que parece a de um verdadeiro aristocrata). Penso também na senzala, agora um restaurante charmoso; e penso também nas igrejas douradas: o Poder mergulhado num charco. Com sangue, muito sangue. Mas você me diz: o capital, as mulheres estupradas, índias e negras estupradas. Você me diz: o capital, o capital, a Igreja, os negros com feridas expostas. Você me aponta os culpados. E ninguém deixará de entrar em Ouro Preto, isto é óbvio, comer em restaurantes que foram Casas Grandes & Senzalas, visitar aquelas igrejas fantásticas. E eu te digo: o processo histórico é o que consta. Devo esmiuçar o pensamento, mas deixo para mais tarde.













(Em breve, fotos da viagem no Mural)



2. FLAP! 2008: Zona Franca



"...No entanto, as atividades transmidiáticas, tão difundidas nas diversas artes, são ainda vistas com reserva nos setores mais conservadores do meio literário brasileiro. As reflexões contemporâneas acerca do alcance e da função da produção poética nacional raramente tem levado em consideração a questão do suporte. Mesmo em blogs e sites literários a tela do computador é freqüentemente utilizada como substituta do papel, sem aproveitar suas formas expressivas. Assim a vocação experimental e a busca pela especificidade dos novos meios parece ter sido sobrepujada pela demanda simplesmente funcional dos meios eletrônicos". Trecho da Proposta de Debate. Leia na íntegra: http://flap2008.wordpress.com/




Creio que o aspecto mais positivo da FLAP seja aproximar autor e leitor (claramente, o oposto daquela distância existente na FLIP, cujos escritores convidados são astros e estrelas da venda de livros, com raras exceções). A FLAP está na 4ª edição, por isso, acredito ser fundamental a participação de todos. Os caminhos estão abertos. Manifestem-se. Um debate de qualidade exige idéias convergentes & vozes dissonantes. Mandem artigos, sugestões, protestos. Eu me disponho a publicar neste blogue todas as reflexões relevantes, isto é, aquelas cujo conteúdo incremente a discussão proposta. O contato: maiaragouveia@gmail.com



3. Dispositivos & Objetos








Dispositivo. ou o meio pelo qual atingimos determinado resultado.


Objeto. no caso da arte literária, o texto. 




I. A palavra é o componente fundamental do objeto literário?
II. O livro é o único suporte para uma coleção de objetos literários?



Essa discussão está no primeiro plano da proposta da FLAP deste ano. Há autores, como Joan Brossa, (poeta catalão nascido em 1919, isto é, no início do século 20) cujo trabalho demonstra clara e fortemente que destruir as barreiras entre gêneros pode resultar em algo mais do que interessante, em algo consistente.


Partimos de dois pressupostos: 1° o dispositivo é o meio; 2º o objeto, resultado. Há diversos tipos de material para obter uma escultura, por exemplo. Podemos criar formas com pedra-sabão, argila, mármore, ferro etc etc etc. Podemos pintar um quadro com uma gama enorme de tintas; podemos fazer um bolo com fubá, provolone ou chocolate; podemos desenhar usando carvão, giz pastel, caneta ou lápis. Enfim, concluímos, sem esforço, que diferentes dispositivos são utilizados com diferentes expectativas de resultado.




III. No século 21, com a proliferação de novos dispositivos e, conseqüentemente, novas possibilidades de objeto, surge maior necessidade de apropriação dos mesmos dispositivos e invenção ou difusão de novas formas?


(...) Antes que os Paladinos do Soneto e os poetas da Rua Augusta tragam os estilingues, vou descer do muro, que divide caminhos incontáveis. Os mais óbvios são quatro: descer para esquerda ou para a direita e, opção menos trivial, subir para cá ou para lá.


Vejamos, existem tantas possibilidades estéticas como variados são os anseios humanos. Antes de prosseguir, lanço outra pergunta, que está dentro dos propósitos mais caros ao debate, creio eu:


IV. Será que os novos dispositivos são mal aproveitados ou sub-aproveitados pela pequena legião dos que se intitulam poetas?


Agora sim! 


Outra:




V. Dentro desse contexto, o livro (notoriamente um instrumento de poder) não poderia ser substituído por suportes cujo (a)

a) acesso fosse mais democrático

b) formato permitisse ampliar as relações entre leitor e autor

c) formato permitisse difusão mais ampla

d) distribuição não dependesse da burocracia e dos abusos das grandes editoras

e) estimulasse e ajudasse a formar novos leitores



Descendo do muro: Lewis Carroll, na prosa. Joan Brossa, na poesia. O primeiro está entre os meus autores preferidos. Um dia, ainda te escrevo 200 páginas sobre Alice no Reino do Espelho. Do segundo, tenho dois livros guardados e apreciadíssimos: Poemas Civis e Poesia Vista. Ana Rüsche, a poeta que não pára, acaba de lançar em seu Peixe de Aquário o Concurso de Anti-Poetry para Coelhos João – You never can tell! cujas referências são explicitadas no regulamento, aham: Lewis e Brossa, e há também um artigo do Parra para aquecer os candidatos. Adoro!



Até mais tarde.