Zona Franca




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FLAP 2008 – NEM DUCO NEM DUCOR

Alfredo Fressia


Saúde e Flap. Zona Franca para todos.


A Flap deste ano 2008 é consagrada a esses espaços em comum onde as artes constatam a irmandade das Musas. São os territórios onde a poesia pode contemplar seu próprio nascimento nas muitas telas e nos muitos sons de um computador, onde o canto pode reatar com a lira da lírica, por exemplo, e a performance multimidiática está aberta a todos os níveis da criação de significado estético, a todas as viagens.


Bem-vindos a bordo. Paz e franqueza. E nem Duco nem Ducor. Só queria manifestar duas prevenções, e se falo nelas é só para ajudar a construir a carta de navegação. A saber, recordar que esses territórios que as artes buscam ou constroem “em comum”, esses espaços compostos onde a(s) retórica(s) de cada arte entram numa síntese pronta à experimentação e à originalidade, essa geografia instigante não é Terra incógnita. Quando li a proposta desta Flap 2008, pensando nesses espaços de criação, a primeira coisa que me veio à cabeça foi a imagem de Debussy fazendo música a partir de um poema simbolista. Deve ter sido por (de)formação profissional, mas podia ter pensado numa catedral, por exemplo, que é certamente um caso mais belo e mais vasto de um diálogo entre as artes pronto para criar uma manifestação nova (e aí vão arquitetura, plástica, narrativa em várias linguagens, a liturgia como uma das belas artes e, claro, o grão de mostarda de um órgão, que talvez esteja o mais perto do coração desse espaço novo). Também podia ter pensado na ópera, esse espaço de teatro, música, canto, poesia, dança...


Não, não é Terra incógnita. E daí? Nada, só prevenção, cautela, modéstia. Não há nada “daí”. Primeiro porque todos sabíamos dessa nostalgia que as artes têm de uma unidade primeira e perdida. Segundo porque desta feita estamos falando (principalmente) desse conjunto de saberes técnicos totalmente novos chamado internet, e que até agora foi tratado como um mero formato livro, aliás, de manipulação desconfortável. Terceiro porque a internet é de vocação democrática, e a democracia é alentadora (não eram assim democráticas outras “técnicas”, me lembro da minha decepção o dia que um poeta concreto –ou filo-concreto- me levou a uma exposição holográfica no MIS daqui de São Paulo). Os espaços onde as artes se reencontram (reencontram uma origem perdida, platônica, uma idade de ouro?) não são novos. “Daí” só não tiremos conclusões precipitadas.


E a segunda prevenção. Sabemos, por experiência, que muitas vezes as manifestações multi-suporte são espetaculares ou se aproximam do espetáculo. (Deixo aos entendidos em Guy Debord a análise da “sociedade do espetáculo”, até porque Debord e suas teses me superam, désolé). Ora, que eu saiba, estamos todos acostumados (“educados”, “formados”, etc) para curtir a poesia num ato de solidão, e freqüentemente, de silêncio. Na experiência estética poética (a qual estamos habituados) entram todas as formas da inteligência, da atenção, da intuição, da imaginação, do lembrar e do saber. Isto é, são todas formas não-espetaculares de reagir frente ao objeto artístico, ou de configurá-lo. Eu me pergunto se seremos capazes de criar uma nova forma de recepção estética. Porque é nada menos que disso que estamos falando. Eu adoraria que fôssemos capazes. Quero olhar e ver, quero Flap, navegar é preciso. E nem Duco nem Ducor.
Poeta e ensaísta “uruguaýsimo”, Alfredo Fressia mora no Brasil desde 1976. Nas palavras de Dirceu Villa: “Homem culto, generoso e poeta importante, não só porque seja um poeta muito bom, mas porque também não cedeu a nenhuma moda poética, como tantos fazem apenas para ver seus nomes mencionados aqui ou ali por este ou aquele. Por isso, talvez, ainda não seja tão lido quanto merece”. Trata-se do trecho de um comentário acerca do livro de poemas Eclipse: cierta poesia (1973-2003).

A generosidade do autor o trouxe a este espaço. Convidado, comenta a proposta da FLAP deste ano. Isto é: começamos o debate em grande estilo.Em breve, será entrevistado pela Srta. Gouveia, entre outros queridos e imprescindíveis (poetas, autores), fico muitíssimo grata por aceitarem meu convite.

Pois bem, enquanto outras vozes se preparam para povoar A Certeza de Fazer o Mal e o campo aberto da
FLAP, vamos nos deleitar (e refletir) com certas prevenções oferecidas por Alfredo Fressia.