De Rainer Maria Rilke (1875 - 1926)

8ª ELEGIA
Com todos os seus olhos, a criatura vê o Aberto./Nosso olhar, porém, foi revertido e como armadilha/se oculta em torno do livre caminho./O que está além, pressentimos apenas/na expressão do animal; pois desde a infância/desviamos o olhar para trás e o espaço livre perdemos,/ah, esse espaço profundo que há na face do animal./Isento de morte. Nós só vemos/morte. O animal espontâneo ultrapassou seu fim;/diante de si tem apenas Deus e quando se move/é para a eternidade, como correm as fontes./Ignoramos o que é contemplar um dia, somente/um dia o espaço puro, onde, sem cessar,/as flores desabrocham. Sempre o mundo,/jamais o em-parte-alguma, sem nada: o puro,/o inesperado que se respira, que se sabe/infinito, sem a avidez do desejo./Uma criança aí se perde, às vezes,/em silêncio, mas é despertada. Ou alguém/que morre, nisso se transforma. Pois os/que da morte se aproximam não mais a podem ver,/fixando o infinito com o grande olhar do animal./Os amantes - não estivesse o outro a ofuscar-lhe/a visão - sentem a obscura presença e se espantam.../Às vezes há um descerrar-se atrás do outro...Mas/o outro, como superá-lo? E o mundo já retorna./Para a criação sempre voltados, nela/vemos apenas o reflexo da liberdade/que obscurecemos. Há no entanto/esses olhos calmos que o animal levanta,/atravessando-nos com seu mudo olhar./A isto se chama destino: estar em face/do mundo, eternamente em/face.

(...)

E nós: espectadores em tudo e sempre,/voltados para tudo, nunca de fora./Saciados, ordenamos. Mas tudo se desfaz./Novamente insistimos e nós mesmos passamos.//Quem nos desviou assim, para que tivéssemos/um ar de despedida em tudo que fazemos? Como aquele/que partindo se detém na última colina para contemplar/o vale na distância - e ainda uma vez se volta,/hesitante, e aguarda - assim vivemos nós,/numa incessante despedida.

in: Elegias de Duíno, tradução de Dora Ferreira da Silva