Mais Rainer Maria Rilke (1875 - 1926)

QUINTA ELEGIA
Dedicada a Frau Hertha von Koenig

Mas quem são eles, dizei-me, os saltimbancos, um pouco/mais efêmeros que nós mesmos, desde a infância/por alguém torcido – por amor/de que vontade jamais saciada? Entretanto ela os torce,/curva-os, entretece-os, vibra-os,/atira-os e os toma de volta! Do ar untado/ e mais liso, eles resvalam/sobre o tapete gasto (adelgaçado/pelo eterno salto), esse tapete perdido no universo./Emplastro aderido lá, onde o céu/do subúrbio feriu a terra.//E apenas lá,/Ereto, mostra a grande maiúscula/Inicial da Derelicção...e já o renitente/Agarrar torna a rolar os homens mais fortes,/por jogo, como outrora Augusto o Forte, à mesa,/brincando com patos de zinco.//Ah! e em torno desse centro,/a rosa do contemplar:/floresce e desfolha. Em torno do/triturador, o pistilo atingido por seu próprio/pólen florescente, novamente fecundado – fruto/aparente do desgosto, inconsciente de si mesmo –/com a fina superfície a brilhar/num sorriso leve, simulado.//(...)E o homem torna a bater as mãos para o salto...Antes/que a dor se torne mais nítida e próxima do teu coração/sempre alterado, antecipa-a e à sua origem, o ardor/das plantas dos pés, que empurra à flor dos/olhos algumas lágrimas corpóreas./E contudo, às cegas,/o sorriso...//Anjo, toma, colhe a erva medicinal de flores singelas!/Modela um vaso e dá-lhe abrigo! Preserva-a entre as/alegrias não desabrochadas; celebra-a em/carinhosa urna, com uma inscrição florida inspirada:/  Subrisio Saltat./E tu, graciosa,/esquecida no silêncio/das alegrias vivas e apressadas. Talvez/sejam felizes por ti as franjas dos teus cabelos,/ou quem sabe, sobre teus seios jovens e túmidos,/a seda verde-metal sinta-se mimada e nada lhe falte./Tu,/colocada sempre de um modo novo/sobre os carros oscilantes do equilíbrio,/fruto de feira da indiferença,/exibida ao público, entre os ombros.//(...) E de repente, neste árduo Nada,/o ponto inexprimível onde a insuficiência pura/incompreensivelmente se transforma - e salta/àquela vazia plenitude/onde o cálculo de muitos algarismos/se resove sem números.//Praças, ó praças de Paris, feira infinita,/onde a modista Madame Lamort/tece e retorce os caminhos inquietos do mundo –/numerosas fitas – em laços imprevistos, folhos, flores,/laçarotes, frutos artificiais, tudo falsamente colorido/para os módicos chapéus de inverno/do Destino.//Anjo, talvez haja uma praça que desconhecemos, onde,/Sobre um tapete indizível, os amantes, incapazes aqui,/pudessem mostrar suas ousadas, altivas figuras/do ímpeto amoroso, suas torres de alegria, suas trêmulas/escadas que há muito se tocam onde nunca houve apoio:/e poderiam diante dos telespectadores em círculo,/incontáveis mortos silenciosos. E estes arrojariam/suas últimas, sempre poupadas,/sempre válidas, diante do par/verdadeiramente sorridente, sobre o tapete/apaziguado.
in: Elegias de Duíno, Tradução de Dora Ferreira da Silva