De Zeami

A flor do teatro


Olhando as plantas em flor, perguntamo-nos: por que se simboliza por uma flor todas as coisas do mundo? É pela sua existência efémera que se gosta delas, elas só florescem durante uma estação, são raras.
De igual modo, o Nô fala ao coração e suscita o interesse. A flor, o interesse e a raridade, eis a maravilha do Nô.
Florir e murchar são inevitáveis; é o que torna as flores maravilhosas. O encanto do Nô, sua flor, encontra-se na virtude da mudança. O Nô nunca é estático, transforma-se sem cessar, como a flor, e é esta mudança que o torna tão raro.
No entanto, é necessário respeitar as suas regras e evitar a extravagância, mesmo na demanda da raridade e da novidade. Após todos os exercícios, no momento de apresentar um Nô, é preciso escolher de acordo com a situação. De entre todas as flores, só é verdadeiramente rara aquela que eclode no seu quadro temporal. Do mesmo modo, se aprendestes bem as numerosas técnicas das artes, escolhereis adaptando-vos à época e ao público; será como uma flor na sua estação.
As flores de hoje são semelhantes às do ano passado. Assim, o Nô, mesmo tendo já sido visto antes, ou inscrevendo-se num repertório importante, retornará, após a passagem do tempo, igualmente raro.


Como atingir o prodígio
...No Nô, é bela a atitude que equivale à flor. Para a possuir, é preciso ter coração. O que é o coração? É a compreensão da teoria da flor. É preciso também, naturalmente, aprender os movimentos e os gestos com os hábitos refinados, para se conseguir representar com beleza. Mas o essencial é encontrar a chave que permite representar na beleza, mesmo que a mímica seja diferente segundo os variados tipos de papéis. É assim que se atinge o prodígio. Muitas vezes, temos tendência para nos preocuparmos apenas em imitar os gestos do papel, e acreditamos ter atingido o grau superior. Mas não é verdade, porque se nos esquecemos de manter uma bela atitude, não atingimos o prodígio; e, neste caso, é difícil chegar ao nível supremo, e é impossível tornar-se um mestre. Por este motivo, os verdadeiros mestres são raros. É preciso, então, ter em conta a importância do prodígio.


De Zeami. O Espelho da Flor e outras obras - século XIV. In: Estética Teatral - Textos de Platão a Brecht. Organização de Monique Borie, Martine Rougemont e Jacques Scherer.